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Festival de arte Street River vira polêmica

(Foto: Adalberto Rosseti/Divulgação)

A nova edição do festival Street River, marcada para ocorrer neste final de semana, não foi muito bem recebida pelas artistas paraenses. O evento anual reúne, por uma semana, expoentes da arte urbana do Brasil e do mundo para uma espécie de residência artística na Ilha do Combu. O resultado é uma nova leva de obras, em grafite, pintadas nas fachadas das casas ribeirinhas, formando o que é reconhecido pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), desde 2016, como “a primeira galeria de arte fluvial do país”.

Desde sua primeira edição, em 2014, no entanto, a organização do projeto recebe questionamentos de artistas locais, em especial, as mulheres. Uma situação que só agravou com a proposta deste ano, intitulada como a “Primeira Edição do Street River GRLPWR. Um recorte do Artivismo Feminino dentro do StreetArt Nacional”. Segundo divulgado na página do evento do Instagram, a proposta é ter “Artistas Brasileiras enchendo de Cor a Ilha do Combu com seus trabalhos autorais e suas histórias de luta e resistência”. E foi ao disparar a lista de artistas convidadas para este ano, que veio a descrença no discurso que vendia o evento, pois apenas uma delas é paraense, Nayara Jinkss. As demais são Rafa Mon (RJ), Mag Magrela (SP), Lidia Viber (RJ), Criola (BH) e Clara Valente (BH). Choveram comentários nas publicações do evento na rede social, o que se agravou com a tentativa da organização de excluir os que contestavam a presença quase exclusiva de artistas de fora da região Norte.

REPÚDIO

Dois coletivos de artistas paraenses publicaram notas de repúdio e foram endossadas por dezenas de artistas. “Ao questionarmos a falta de artistas paraenses ao organizador do evento em sua rede social, nossos comentários foram apagados e nossos perfis bloqueados. O que nos indica que, além de nos invisibilizar enquanto artistas, também fomos silenciadas. Um evento que usa mulheres artistas de outras regiões carregando a bandeira do feminismo, que visibiliza determinadas mulheres, mas que ao mesmo tempo silencia outras, é no mínimo incoerente”, colocou o Freedas Crew em sua nota.

NOTA PÕE MAIS LENHA

A nota dada pela organização em resposta aos protestos afirma que suas ações não restringem-se aos dias de pintura, mas também a realização de projetos sociais, ambientais e educacionais na Ilha. Apontam, por exemplo, a instalação de filtros de água potável e placas de energia solar. Mas um trecho da nota, em especial, não agradou em nada a cena artística local. Neste, eles alegam que o convite aos artistas parte de “diversos motivos curatoriais”, norteados “pela capacidade de captação [de patrocínio]”, que seria mais fácil por meio de “artistas nacional e internacionalmente reconhecidos”.

O coletivo Mulheres Artistas do Pará (M.AR) foi o primeiro a expressar repúdio a essa resposta. “Para a construção de uma arte representativa para e sobre mulheres é necessário que se pense não apenas gênero, raça, classe e sexualidade, mas também a territorialidade. Não deixar que as mulheres da Amazônia falem sobre a Amazônia não é ‘artivismo’, mas sim cooptação de lutas importantes para todas as mulheres que precisam e querem ser ouvidas e acabam silenciadas em nome de dinheiro e visibilidade”, responderam coletivamente.

NOTA DE REPÚDIOO coletivo Mulheres Artistas do Pará – M.AR vem a público para expressar repúdio ao evento de arte…

Posted by M.AR. Mulheres Artistas Pará on Wednesday, May 29, 2019

A paraense Moara Brasil, que atualmente mora em São Paulo, também apontou a incoerência. “Sou uma paraense que teve que sair da sua cidade para ser valorizada pela própria cidade, porque a mente colonizada ainda persiste de gostar somente daquilo que é de fora. […] É papel do curador ‘curar’, é papel do curador pesquisar, consultar, entender o contexto regional e inclusive é papel do curador compreender também a casa que será grafitada […], entender se existem artistas indígenas nesse território indígena que queiram pintar suas casas! Curadorias assim só pioram o mercado, a visibilidade da arte amazônida e aumenta a ferida de uma cena artística”, apontou.

ARTISTAS CONVIDADAS FAZEM PARALISAÇÃO

Depois de serem bloqueadas nas redes sociais, as artistas passaram a fazer comentários marcando os perfis das participantes do evento. “Eles nos deram uma resposta porque as mulheres convidadas a participar exigiram deles uma retratação”, afirma Ester Guerreiro, do Freedas Crew. Em mensagens enviadas diretamente às paraenses, as convidadas afirmaram entender todas as questões levantadas e decidiram paralisar temporariamente. Pelo calendário do evento, elas chegaram em Belém com dias de antecedência para começar as pinturas e concluí-las durante este final de semana, com a visitação do público.

“Elas postaram cada uma nos stories das páginas do Instagram sobre o posicionamento de paralisação temporária. Por pressão delas, eles marcaram uma roda de conversa na sexta”, destaca Ester, referindo a uma segunda nota da organização do evento, chamando as artistas locais para uma conversa aberta – sexta, às 18h, com local a definir – para colocar suas questões em debate junto com as convidadas. “Não foi iniciativa da organização e te afirmo isso. O evento está na quinta ou sexta edição e nunca fizeram isso. Essa conversa só foi marcada pela dimensão que tudo isso tomou”, finaliza.

(Laís Azevedo/Diário do Pará)

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