Coronavírus: por que todos os casos no Brasil foram registrados em São Paulo?
Há pelo menos uma característica comum entre os três casos confirmados no Brasil de covid-19, a doença causada pelo novo tipo de coronavírus: todos foram registrados em São Paulo (SP).
Por que esta concentração de casos na capital paulista?
Especialistas apontam para um conjunto de fatores como possíveis explicações para isto. Primeiro, trata-se da cidade mais populosa do Brasil: 12,2 milhões de habitantes. Tendo também o título de principal centro econômico do país e com os aeroportos mais movimentados, há um grande número de pessoas chegando e saindo da cidade diariamente, seja em viagens a trabalho ou lazer.
A estrutura de saúde na capital paulista também é apontada como um fator, permitindo maior rapidez na realização e resultados de exames.
Nenhum dos casos na capital paulista foi por transmissão interna — ou seja, não houve até o momento registros de brasileiros que passaram o vírus para outras pessoas. Os três pacientes confirmados haviam viajado recentemente à Itália, país que enfrenta um surto do novo coronavírus.
Os dados do Ministério da Saúde apontam que há centenas de casos suspeitos de covid-19 em outros locais — ao todo são 531 suspeitas no Brasil, sendo 135 delas no Estado de São Paulo. Com tantas suspeitas em outros Estados, surge a dúvida: por que até o momento não houve nenhum caso confirmado em outra cidade do país?
A identificação do vírus em São Paulo
O infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), afirma que os primeiros casos surgiram no Brasil logo que os casos da Itália aumentaram. Para ele, já era esperado que a situação no país europeu fizesse com que a covid-19 chegasse ao Brasil.
“Na China (onde surgiu o novo coronavírus), não há tantos voos para o Brasil. Mas na Itália a situação é diferente, porque há muitos brasileiros com negócios por lá e muitos deles moram em São Paulo”, explica.
“Antes, eu falava que era difícil o vírus chegar ao Brasil porque estava na China e são dois voos semanais de lá para o Brasil. Mas com a Itália mudou a situação, por termos mais de 20 voos para o Brasil, boa parte para São Paulo”, acrescenta Boulos.
A infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, ressalta que por São Paulo ter um grande fluxo de pessoas chegando diariamente de diferentes locais do mundo, é inevitável que fosse a primeira a registrar casos da covid-19 no Brasil. Em razão disso, ela pontua que houve uma preparação para que os médicos do Estado identificassem casos suspeitos.
Em São Paulo, foi criado, em 26 de fevereiro, logo após o primeiro caso confirmado, um centro de contingenciamento para monitorar o novo coronavírus. Segundo o governo, a iniciativa conta com especialistas para acompanhar os casos e tomar as medidas necessárias para prevenção.
“A disponibilidade para exames em São Paulo é maior, além de que há diversos profissionais como os pesquisadores da USP, responsáveis pelo isolamento do vírus 48 horas após o primeiro caso. Toda a tecnologia e os equipamentos facilitam os diagnósticos daqui”, pontua Boulos.
Enquanto um exame em São Paulo para atestar a covid-19 pode ficar pronto em um dia, há Estados em que eles não saem antes de quatro dias. Isso porque muitos lugares precisam encaminhar os testes para outros.
Os exames para a covid-19 podem ser feitos em quatro laboratórios no Brasil — em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Pará e em Goiás. O Ministério da Saúde informou que a partir da próxima semana expandirá os locais de testes para o coronavírus — a intenção é que sejam feitos em todos os Estados.
Além do laboratório em São Paulo, na cidade há hospitais particulares, como o Albert Einstein, que seguem os protocolos do Ministério da Saúde para identificar a doença. Em razão disso, os diagnósticos se tornam ainda mais rápidos — os três primeiros casos foram confirmados no hospital particular.
O Ministério da Saúde afirma que unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) têm a mesma capacidade que hospitais como o Albert Einstein para identificar o vírus prontamente.
A importância do diagnóstico
Para Rosana Richtmann, os médicos de outros Estados devem estar atentos para lembrar do covid-19 como uma possibilidade de diagnóstico. Isso porque ela acredita que, se médicos pensarem que a doença não chegará a outras regiões, muitos casos podem não ser diagnosticados corretamente.
A infectologista pontua que os médicos devem considerar os sintomas relacionados ao novo coronavírus – febre associada a algum problema respiratório – e avaliar se o paciente visitou algum dos 31 países considerados com risco de transmissão (como Estados Unidos e grande parte da Europa).
“Todo mundo deve pensar na possibilidade (da covid-19) e encaixar, se for o caso, como suspeita e mandar para o laboratório de referência do Ministério da Saúde. O que pode acontecer é a demora dos resultados”, afirma. Enquanto os pacientes aguardarem os resultados, a orientação é que permaneçam em quarentena em suas casas – exceto os casos considerados graves.
O infectologista Alberto Chebabo, do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pontua que em razão do tamanho do Brasil e por haver pessoas de diferentes Estados que também estiveram em países com riscos de transmissão, pode haver casos além de São Paulo que ainda não foram detectados.
“As pessoas precisam ter febre, segundo o Ministério da Saúde, para que tenha a suspeita da covid-19. Mas alguns casos são assintomáticos”.
“Então, é possível que haja quadros que não entram na definição do Ministério da Saúde que possam ser leves, mas não foram detectados e já circulam pelo Brasil. Pode haver casos não detectados tanto em São Paulo como em outros Estados brasileiros”, diz Chebabo.
Medidas de prevenção
Chebabo afirma que é inevitável que os casos registrados em São Paulo e em todo o Brasil aumentem com o passar dos dias. “Os países com risco de transmissão estão aumentando cada vez mais. É difícil evitar a disseminação do vírus. Não há uma medida de bloqueio desses países, então é difícil controlar o avanço do vírus”, diz.
Para Boulos, os casos em todo o Brasil irão se tornar cada vez mais comuns, principalmente com a chegada do outono, em meados de março. “No começo, São Paulo vai ter números maiores. Com o fim do verão, a tendência é que os casos aumentem em todo o país”, declara.
Ele pontua que não há alternativa considerada totalmente eficaz contra o vírus. Mas especialistas resaltam que há medidas de higiene que podem ser importantes aliadas neste momento, como lavar as mãos com frequência, o uso de álcool em gel, cobrir a boca e o nariz ao tossir e espirrar, além de evitar passar a mão nos olhos, nariz e boca.
A OMS estima que 3,4% dos pacientes morrem por causa da covid-19 — as mortes ocorreram, principalmente, entre idosos acima de 70 anos. Este índice foi recentemente revisado para cima pela organização, que antes apontava uma taxa de letalidade de cerca de 2%.
“Ainda não há transmissão local no Brasil neste momento, mas isso vai acabar acontecendo com a chegada de tantos casos e com tantos voos vindos de países com muitos casos, como a Itália. Mas é importante dizer que a covid-19 é uma gripe, que precisa de mais cuidados principalmente quando são pacientes idosos ou indivíduos imunodeprimidos, que são grupos que também são mais afetados pela gripe comum”, declara Boulos.