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Indígenas mantêm isolamento por 6 meses e não registram casos de Covid-19 em aldeia no Pará

Aldeia fica no sudeste do estado, distante 170 km de Paragominas, município que registrou quase 3 mil casos da doença.
Indígenas mantém isolamento por seis meses e não registram nenhum caso de Covid-19, em aldeia no sudeste do Pará — Foto: Especial/Raimundo Paccó

O trabalho e a resistência de um grupo de indígenas no interior do Pará garantiu que ninguém se infectasse com a Covid-19. Foram seis meses de isolamento absoluto na aldeia Tekohaw, que fica na Terra Indígena Alto Rio Guamá e onde vivem cerca de 450 indígenas. A terra, que também abriga as aldeias Cajueiro e Canindé, fica no sudeste do estado, distante 170 km de Paragominas, município que já registrou quase 3 mil casos confirmados da doença e 94 pessoas morreram infectadas pelo novo coronavírus.

As aldeias são lar para mais de 3 mil indígenas da etnia Tembé Tenetehara. Nenhuma morte entre esse povo foi registrada durante a pandemia. Mas eles cobram medidas mais efetiva de combate à doença pelo governo federal, mais especificamente pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Para garantir que o local continuasse intocável, o cacique Sérgio Muty Tembé suspendeu as saídas da terra.

“Desde início da pandemia ficamos preocupados porque é uma doença que mata e não tem cura. Então, a gente fez uma quarentena nas aldeias, mais de 5 meses em quarentena. A gente não saiu para cidade e nem para outras aldeias”, explicou.

Dentro das aldeias, o cenário era de normalidade. Muito diferente do que acostumou-se a ver, distanciamento e máscaras não eram vistos como itens necessários. Os equipamentos de proteção estavam lá, disponíveis. Mas a certeza de que o vírus não passava pelo bloqueio do isolamento deu segurança ao povo.

A única entrada permitida era a de técnicos da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde. “A gente lutou muito contra isso, que não veio a acontecer nenhum caso com esse vírus dentro da nossa aldeia. A gente teve palestra com as técnicas, formamos também um grupo de conselheiras para a gente ir aconselhar as famílias e a gente andou família por família”, contou Sandra Tembé, liderança feminina da tribo.

De acordo com o cacique, os três primeiros meses foram os mais rígidos. “A Sesai ajudou, mandou técnicos treinados e ele também ficavam em quarentena para que o vírus não chegasse perto dos indígenas. Depois dos três meses mais fechados, se alguma pessoa saísse ficava de quarentena antes de entrar na aldeia. Fizemos vários protocolos para manter a vigilância”, relatou Sergio Tembé.

G1 entrou em contato com a Sesai sobre os protocolos seguidos, mas não havia obtido retorno até a última atualização desta reportagem.

Os portões da Terra Indígena ficaram fechados e eram vigiados desde março, quando os números de infecção pelo novo vírus começaram a se espalhar pelo Brasil. As poucas saídas registradas foram controladas e em casos muito necessários, segundo a liderança indígena.

Para celebrar a saúde da aldeia, o povo Tembé Tenetehara realizou um ritual de agradecimento. Guerreiros, mulheres e anciões se reuniram, fizeram pinturas, usaram cocares e as peças tradicionais para agradecer aos espíritos e deuses pela saúde e por não terem perdido membros para o novo coronavírus.

Uso da medicina tradicional

Além do isolamento, o povo acredita que as ervas da floresta foram fundamentais para fortalecer o povo. “Apesar do distanciamento, a gente usou também as plantas medicinais, remédios caseiros, os chás”, comenta Sandra Tembé, liderança entre as mulheres.

O responsável pelas curas do grupo de indígenas é o Pajé Paulo Tembé. “A gente foi se preparando sim, com as medicinas tradicionais, que são essas ervas de arrudão, flor de pirarucu, folha de alho, limão, folha de manjericão, mel e andiroba. São as medicações que nós usamos”, revelou.

As ervas são uma tradição do povo indígena, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde reforçam que não há ainda nenhum medicamento, substância, vitamina, alimento específico ou vacina que possa prevenir a infecção pelo coronavírus (Covid-19).

No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde, foram confirmados mais de 25 mil casos da Covid-19 entre comunidades indígenas. Até o boletim do dia 14 de setembro, foram 418 mortes de membros desses povos tradicionais.

No dia 1º de abril, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) confirmou o primeiro caso de indígena com Covid-19 no Brasil. Desde então, a doença tem avançado pelos territórios fazendo com que lideranças morressem, junto com as línguas faladas e a herança história dos povos.

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