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Presa por golpe milionário, Sabine Boghici ainda foi 4 vezes à Justiça contra a mãe por partilha de bens

Ações foram movidas entre agosto de 2021 e fevereiro de 2022. Nelas, tentava reaver imóveis, ser a inventariante do espólio de seu pai e até reaver os animais da família.
Sabine Boghici — Foto: Reprodução

Sabine Boghici, presa desde quarta-feira (10) em uma operação da Polícia Civil que a apontou como mentora de um golpe avaliado em R$ 725 milhões contra a mãe, também travava uma intensa disputa judicial contra ela para obter o restante do patrimônio deixado por seu pai, o colecionador e marchand Jean Boghici, que morreu em 2015.

Foram quatro ações, a primeira iniciada em agosto de 2021, meses depois da idosa ter fugido do cárcere privado imposto por Sabine com a ajuda das falsas videntes Rosa Stanesco, Diana Rosa Stanesco, Jacqueline Stanescos, e ainda de Gabriel Nicolau e Slavko Vuletic.

Quase todos foram presos na “Operação Sol Poente”, deflagrada na quarta-feira (10), acusados de estelionato, roubo, extorsão, cárcere privado e associação criminosa. A polícia ainda procura Diana e Slavko, que estão foragidos.

Agosto de 2021 – Pedido de reintegração de posse de um apartamento

Em processo que se iniciou na 46ª Vara Cível do Rio de Janeiro, Sabine Boghici pedia a reintegração de posse de um apartamento em Copacabana, onde pretendia morar com seus cachorros. No entanto, o pedido foi negado uma vez que o inventário do pai de Sabine, Jean Boghici, ainda não havia terminado.

Sabine reclamava ainda da mãe ter mudado a fechadura do imóvel, atitude que a idosa tomou ao fugir do cárcere, em abril de 2021.

Ao dar entrada no processo, Sabine pediu gratuidade das custas processuais, mas também teve esse pedido negado sob a justificativa de que possuía bens e direitos em torno de R$ 90 mil (de acordo com o declarado no imposto de renda de 2019/2020), e ser colecionadora de bonecas e brinquedos diversos e raros, os quais geravam renda através da venda na internet.

A juíza que avaliou o pedido, também citou movimentações financeiras vultuosas no extrato bancário de Sabine.

Em outubro de 2021 – Pedido de retirada da mãe do posto de inventariante do pai

Já em outubro de 2021, Sabine ingressou com uma ação na 7ª Vara de Órfãos e Sucessões pedindo antecipação de tutela dos bens do inventário do pai, o marchand Jean Boghici, que data de 2015.

Sabine pediu à Justiça que a idosa fosse retirada da posição de inventariante dos bens da família. Ela alegava que a mãe mantinha “postura de escassa atividade e nada voltada para o impulsionamento do inventário”, e que a mesma teria “sonegado” obras de arte do inventário de seu pai.

Sendo que, em outubro de 2021, vários quadros já estavam na casa de Rosa Stanesco, com quem Sabine vivia. Algumas obras foram recuperadas pela polícia no dia da prisão do grupo.

Na época, a idosa – que já havia se libertado do cárcere imposto pela filha – , disse que Sabine estaria sob “manipulação de abutres”, e que a filha havia deixado de passar por tratamento psiquiátrico, motivo pelo qual deixou de ocupar um dos apartamentos da família. Mais uma vez, o pedido de Sabine foi negado pela Justiça.

“Sendo certo que o vultuoso valor envolvido na partilha será de difícil deterioração ou desfazimento, e a fim de preservar o princípio do contraditório e da ampla defesa, deixo para apreciar o pedido de tutela antecipada após o oferecimento da resposta dos réus”, justificou a juíza Rose Marie Pimental Martins em sua sentença.

Dezembro de 2021 – Pedido de busca e apreensão dos cachorros da família

Também em 2021, Sabine ingressou com uma nova ação, desta vez com um pedido de busca e apreensão dos animais que criava em uma casa da família em Itaipava. Esse pedido também foi negado, pois a juiz entendeu que os bichos pertenciam a Sabine e sua mãe.

“Ao que tudo indica, havia a composse dos animais pela autora e pela ré, sendo certo que todos conviveram na mesma residência por longo período. Não se pode olvidar ainda de eventual laço afetivo criado entre a demandada e os bichos. Desse modo, prudente que se observe o princípio constitucional do contraditório, oportunizando à ré que, em sua defesa, apresente a sua versão sobre os fatos narrados na peça vestibular, motivo pelo qual, indefiro a medida liminar de busca e apreensão”, decretou o juiz Paulo Roberto Correa na época.

Fevereiro de 2022 – Recurso na 4ª Câmara Cível para obter os cachorros da família

Sem desistir dos seus animais, Sabine recorreu da decisão de 2021 em segunda instância, na 4ª Câmara Cível do Rio. No recurso, ela alegava que a mãe não gostava dos bichos, que eles sempre foram motivo de brigas entre as duas, e que essa animosidade foi agravada quando ela pediu a sua mãe que cedesse um dos imóveis que integram o patrimônio familiar para residir e cuidar dos animais no Rio de Janeiro, em Copacabana, já que se sentia isolada e sozinha em Itaipava.

Disse que foi impedida de entrar em sua residência em Copacabana porque a mãe trocou a fechadura, que a impediu de entrar também nos demais imóveis da família, assim como de pegar seus pertences pessoais, e que agora dependia da ajuda de amigos para se manter e morar.

Por fim, explicava que conseguiu um local para alocar os seus animais e manter o seu trabalho social, sendo primordial reaver os seus bichos para dar seguimento ao carinho e cuidado que sempre teve, mas também para suprir a angústia e ansiedade que sente ao estar longe dos seus animais. Mas o relato não foi suficiente para convencer os desembargadores que negaram por unanimidade o pedido.

“Não se vislumbra na vertente hipótese a probabilidade da propriedade exclusiva da agravante em relação aos animais objeto da busca e apreensão. Malgrado sejam animais resgatados do abandono, há que se aguardar a manifestação da agravada, especialmente diante de sua condição de idosa, a fim de excluir a possibilidade de composse dos animais. Tampouco se verifica a possibilidade de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, eis que, diante das condições econômicas da parte agravada, não há que se falar em risco à integridade dos animais”, votou Maria Helena Pinto Machado, sendo acompanhada pelos demais desembargadores no dia 14 de junho.

Como foi o golpe

A Polícia Civil do RJ afirma que Sabine elaborou todo o plano, no início de 2020. O primeiro passo foi contratar uma mulher para abordar a mãe no meio da rua e alertá-la sobre uma morte iminente na família — no caso, a da própria filha.

Essa mulher, que se disse vidente, levou a idosa a outras duas comparsas, apresentadas como uma cartomante e uma mãe de santo, que confirmaram a previsão e lhe sugeriram pagar por “um trabalho” para salvar a filha.

Assustada, a mãe contou tudo para a filha. Sabine, então, prosseguiu com o plano e fingiu ficar apavorada, suplicando para a mãe fazer o trabalho espiritual. A mãe obedeceu e fez, em um intervalo de 15 dias, pagamentos que totalizaram R$ 5 milhões.

Depois do início do “tratamento espiritual”, Sabine começou a isolar a mãe dentro de casa, dispensando funcionários e prestadores de serviços domésticos.

No início de fevereiro, contudo, a mãe de Sabine começou a perceber que a filha tinha relação com as ditas videntes e parou de fazer os repasses. Sabine começou a agredir e ameaçar a própria mãe, que só então percebeu o plano.

O tamanho do prejuízo

A vítima estima que o prejuízo chegou a R$ 725 milhões:

  • Roubo de 16 quadros: R$ 709 milhões;
  • Roubo de joias: R$ 6 milhões;
  • Pagamento pelos “trabalhos espirituais”: R$ 5 milhões;
  • Transferências sob ameaça: R$ 4 milhões.

Os quadros levados

A polícia listou 16 obras roubadas da idosa, que avaliou os valores:

  1. O Sono, de Tarsila do Amaral: R$ 300 milhões;
  2. Sol Poente, de Tarsila do Amaral: R$ 250 milhões;
  3. Pont Neuf, de Tarsila do Amaral: R$ 150 milhões;
  4. O Menino, de Alberto Guignard: R$ 2 milhões;
  5. Elevador Social, de Rubens Gerchman: R$ 1,5 milhão
  6. Mascaradas, de Di Cavalcanti: R$ 1,5 milhão;
  7. Maquete Para Meu Espelho, de Antônio Dias: R$ 1,5 milhão;
  8. Aquarela sem título, de Cícero Dias: R$ 1 milhão;
  9. Coruja ao Luar, de Kao Chi-Feng: R$ 1 milhão;
  10. Ela, aquarela, de Cícero Dias: R$ 1 milhão;
  11. Porto de Pesca rem Hong-Kong, de Kao Chien-Fu: R$ 1 milhão;
  12. Mulher na Igreja, de llya Glazunov: R$ 500 mil;
  13. Desenho representando uma paisagem, 1935, de Alberto Guignard: R$ 150 mil;
  14. Église Saint Paul, de Emeric Marcier: R$ 150 mil;
  15. Retrato, de Michel Macreau: R$ 150 mil;
  16. Rue des Rosiers, de Emeric Marcier: R$ 150 mil.

(G1)

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