Negativa de hospital por questões religiosas não ofende princípios do Direito Médico
Segundo Mérces da Silva Nunes, especialista em Direito Médico e Bioética pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, decisão é válida desde que a vida do paciente não esteja em risco
Na tarde desta terça-feira, 23 de janeiro, um tuite causou reboliço nas redes sociais, feito por uma paciente da ala ambulatorial do Hospital São Camilo. Em consulta, ela ouviu da médica que, por questões de ordem religiosa, ela não poderia realizar o procedimento de implantação do dispositivo intrauterino (DIU), utilizado como método contraceptivo. A diretriz, vinda do hospital, foi validada em nota pública, afirmando que o local não realiza procedimentos contraceptivos tanto em homens quanto em mulheres.
O tema viralizou e ganhou uma enxurrada de comentários críticos à postura do hospital. Apesar de polêmica, a decisão da instituição de saúde não viola os princípios do Direito Médico. É o que afirma Mérces da Silva Nunes, Mestre e Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e especialista em Direito Médico e Bioética pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. “Se não há risco para a integridade da saúde do paciente, o hospital privado pode se negar a realizar o procedimento por preceitos religiosos. A negativa não ofende o Direito Médico, nem os princípios da Bioética, como não maleficência, beneficência, justiça e autonomia”, explica a advogada.
Sob os aspectos da Bioética e do Direito Médico, Mérces Nunes ainda explica que a negativa do Hospital São Camilo não se revela discriminatória, uma vez que se aplica, indistintamente, aos homens e às mulheres. Em nota, o hospital afirmou que, assim como não implanta métodos contraceptivos em mulheres, também não realiza vasectomia em homens.
O hospital poderia responder na esfera criminal pela sua negativa somente em caso de risco de vida para o paciente, numa situação de urgência e emergência. “Em situações nas quais a vida do paciente esteja em risco, não há possibilidade de ser invocada – tanto pela instituição como pelos profissionais de saúde – qualquer convicção religiosa, com o propósito de evitar a realização de um determinado procedimento. Isto seria inconcebível e o caso seguiria para apuração de responsabilidade na esfera criminal”, esclarece Silva Nunes.
Em nota, o hospital orientou a paciente em questão a buscar um outro prestador de serviço, dentro da rede credenciada de seu plano de saúde, que realizasse o procedimento. Mérces Nunes afirma que este encaminhamento é correto, tendo em vista a diretriz religiosa do hospital. Mas salienta que, em casos em que o plano de saúde possuir rede própria, restaria à operadora ofertar o custeio do procedimento em outro estabelecimento. “Neste caso, custear as despesas de outro hospital e de prestadores de serviço seria uma alternativa necessária, do ponto de vista contratual e das relações de consumo, já que os planos de saúde não podem recusar cobertura para procedimentos previstos no rol da ANS”.
Mérces da Silva Nunes é Mestre e Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP; Especialista em Direito Médico e Bioética pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
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