No Senado, MPF volta a apontar inconstitucionalidade de projeto que quer transformar marco temporal em lei
Iniciativa viola uma série de direitos indígenas e provoca destruição do meio ambiente e da economia, destacaram especialistas
O Ministério Público Federal (MPF) reiterou nesta quarta-feira (25) no Senado que considera inconstitucional o Projeto de Lei (PL) 490/2007, proposto para consolidar em lei a tese do marco temporal. Por essa tese, só teriam direito às suas terras ancestrais os povos indígenas que as estivessem ocupando no dia da promulgação da atual Constituição, mesmo que tenham sido afastados das terras pelo uso da violência.
A manifestação do MPF foi feita durante audiência pública promovida pela Comissão de Meio Ambiente do Senado. Além de representante do MPF, participaram do evento lideranças indígenas e representantes de organizações de pesquisa e de defesa de direitos socioambientais.
Para o MPF, são inconstitucionais quaisquer medidas que enfraqueçam a proteção às terras indígenas prevista no artigo 231 da Constituição, violem direito fundamental e ofendam o direito adquirido dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas, destacou o procurador da República Paulo de Tarso Moreira Oliveira.
A inconstitucionalidade do PL 490/2007 e de diversas outras iniciativas legislativas e administrativas vem sendo apontada pelo MPF nos últimos anos em diversas notas públicas e notas técnicas encaminhadas à Câmara dos Deputados pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR/MPF), ressaltou o representante do MPF na audiência pública.
As notas também registram que o PL 490/2007 e demais iniciativas que visam suprimir ou reduzir os direitos indígenas ofendem normas internacionais de direitos humanos, por violação à autonomia dos povos indígenas e ao direito ao usufruto exclusivo de suas terras, e pela contrariedade ao princípio da vedação ao retrocesso social e ao direito à consulta livre, prévia e informada.
Violência induzida pelo Estado – “A minha experiência na Amazônia tem revelado que todas essas proposições legislativas vêm a reboque de uma dinâmica de violência e de ameaças fomentadas – por ação ou por omissão – pelo próprio Estado Brasileiro, e isso é de uma violência absurda. O Congresso deveria estar discutindo não a aprovação do PL 490 ou de leis correlatas, leis que vêm a reboque com essa mesma temática, mas devia estar olhando sim para aquilo que tem sido feito dos povos indígenas pela ação ou omissão do Estado Brasileiro. Essa violência já está ocorrendo”, alertou o procurador da República.
O representante do MPF acrescentou que há uma relação direta entre as manifestações políticas de agentes do Executivo e o aumento da violência contra os indígenas. Como exemplo, citou ação de fiscalização de mineração ilegal em terra indígena no Pará em 2020 interrompida após visita do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da intervenção do Ministério da Defesa. As circunstâncias da interrupção incluíram suspeitas de vazamento de informações sigilosas e transporte de garimpeiros em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), e estão sendo investigadas em dois inquéritos do MPF.
Para o MPF, esse tipo de sinalização do Poder Executivo favorável ao descumprimento da legislação foi um dos fatores de incentivo a uma onda de violência este ano contra o povo Munduruku, no sudoeste do Pará. Citados na audiência pelo procurador da República Paulo de Tarso Moreira Oliveira, os ataques resultaram em invasão de área próxima a uma das bacias hidrográficas mais importantes para os indígenas, destruição de sede de associação indígena, impedimento da circulação de viaturas de fiscalização, roubos, agressões físicas e incêndios de residências. A série de violações levou procuradores da República no Pará a solicitarem que o procurador-geral da República acionasse o Supremo Tribunal Federal (STF) para requisitar intervenção federal na região.
Demais manifestações – Os demais participantes da audiência pública destacaram o contraste entre a importância dos indígenas como guardiões do meio ambiente e o total desrespeito com que esses povos são tratados pelo país. Foram citadas diversas pesquisas que apontam as terras indígenas como fundamentais para a conservação da biodiversidade e também estudos e análises que apontam prejuízos bilionários para o Brasil pelo avanço no desmatamento. Especialistas participantes da audiência pública destacaram, ainda, uma série de mudanças legislativas que tornam as terras públicas ainda mais vulneráveis à grilagem, enquanto centenas de processos de demarcação de terras indígenas sequer são instaurados.
Participaram como convidados da audiência pública no Senado, além do representante do MPF, a líder indígena Alessandra Korap Munduruku, a coordenadora adjunta do Programa Povos Indígenas do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e representante da organização Observatório do Clima (OC), Marcela Menezes, o líder indígena e xamã Davi Kopenawa Yanomami, a pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) Brenda Brito e a advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Juliana de Paula Batista. Presidiram o evento os senadores Jaques Wagner (PT-BA), Confúcio Moura (MDB-RO) e Paulo Rocha (PT-PA).
(MPF)