Contas laranjas ajudam a lavar trilhões e tornam o Brasil alvo global do crime organizado
Estudo internacional mostra como falta de punição favorece uso de contas de passagem por organizações criminosas; Brasil se destaca negativamente no cenário global

São Paulo, abril de 2025 – Em meio ao crescimento avassalador da economia paralela do crime organizado, o sistema financeiro brasileiro enfrenta um dos seus maiores desafios: o uso desenfreado de contas laranjas. Essas contas, abertas ou usadas por terceiros com o intuito de ocultar a origem de valores ilícitos, têm se tornado a pedra angular de uma rede global de fraudes, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e cibercrimes.
Segundo o Global Mules Report 2024, divulgado pela empresa de segurança digital BioCatch, mais de US$ 3,1 trilhões circularam em dinheiro ilegal pelo sistema financeiro global no último ano. E uma parte importante dessa cifra passou pelas quase 2 milhões de contas laranjas identificadas em 257 instituições financeiras de 21 países. O Brasil ocupa posição de destaque nessa estatística — mas pelas razões erradas.
No país, a fragilidade da legislação penal aliada à ausência de mecanismos eficazes de responsabilização tornou o uso dessas contas uma estratégia de baixo risco e alto retorno para criminosos. Enquanto nos Estados Unidos a pena média por lavagem de dinheiro gira em torno de 71 meses de prisão, e pode chegar a 14 anos no Reino Unido ou até prisão perpétua na Austrália, o Brasil carece de um sistema que puna diretamente o usuário ou cúmplice da conta de passagem.
“A ausência de punições efetivas cria um incentivo econômico para o uso de contas laranjas”, afirma Cassiano Cavalcanti, Diretor de Pré-Vendas LATAM da BioCatch. “Isso não apenas favorece fraudes e golpes, mas também permite que crimes como tráfico de drogas e sequestros continuem se expandindo pelo país.”
Dados reforçam dimensão do problema
De acordo com o relatório de Identidade Digital e Fraude 2025, do Serasa Experian, 51% dos entrevistados já foram vítimas de fraudes — um aumento significativo em relação aos 42% registrados no ano anterior. Entre as principais modalidades, o uso de contas laranja aparece como um fator crítico, com golpes envolvendo boletos falsos ou Pix fraudulento representando 32% dos casos.
Os impactos financeiros são expressivos: 54% dos que sofreram fraudes relataram perdas, sendo que 52% perderam até R$ 500, e 20% tiveram prejuízos entre R$ 1.000 e R$ 5.000. Entre os mais jovens, esse número sobe para 26%.
Dados do relatório 2024 Digital Banking Fraud Trends in Brazil, da BioCatch, reforçam a vulnerabilidade do ambiente digital: 90% das fraudes ocorrem em dispositivos móveis, e mais de 70% das perdas financeiras em 2022 foram via Pix. No total, os golpes resultaram em um prejuízo de US$ 500 milhões no Brasil.
Para Cavalcanti, a falta de conscientização e a facilidade na criação de contas digitais impulsionam esse cenário. “Os criminosos aproveitam brechas na segurança digital para usar contas laranja como meio para lavagem de dinheiro e fraudes bancárias. A população precisa estar atenta a golpes de engenharia social, e as empresas devem investir em tecnologias mais robustas de autenticação e monitoramento”.
Além disso, a percepção de segurança caiu sete pontos percentuais entre 2023 e 2024, enquanto a expectativa sobre a responsabilidade das empresas aumentou: 86% dos entrevistados acreditam que as companhias devem garantir a proteção dos dados de seus clientes.
Contas laranjas: o elo crucial da cadeia criminosa
Fundamentais ao funcionamento da economia informal, essas contas operam como estruturas de dissociação entre o crime e o dinheiro, permitindo que quantias bilionárias transitem por caminhos digitais quase invisíveis. O próprio conceito da conta laranja evoluiu. Hoje, cerca de 70% delas são alugadas com ciência ou participação do titular.
Os outros 30% são resultado de fraudes de identidade, com CPFs e dados pessoais utilizados por quadrilhas especializadas. Estima-se que mais de 1,6 milhão de brasileiros tenham “emprestado” seus dados para outra pessoa movimentar dinheiro em seu nome.
Ausência de responsabilização institucional
A fragilidade do sistema bancário brasileiro no enfrentamento de contas laranjas acaba favorecendo, ainda que de forma indireta, a atuação do crime organizado. Em alguns países, parte do prejuízo com fraudes recai sobre a instituição que recebe os valores, o que força bancos a adotarem sistemas mais robustos de prevenção e controle de contas de passagem.
“A responsabilização das instituições que atuaram como intermediárias desses valores pode ser uma estratégia eficaz para transformar o sistema em um verdadeiro filtro mais eficiente contra crimes financeiros”, sugere Cavalcanti. “Sem a devida responsabilização, o sistema pode ter incentivos financeiros que favoreçam comportamentos inadequados.”
Outro caminho defendido por especialistas é o compartilhamento de dados entre bancos para aumentar a eficácia e a velocidade na detecção de padrões fraudulentos. Embora essa colaboração já esteja em fase inicial no Brasil, ela ainda é restrita e enfrenta dificuldades operacionais e regulatórias.
Uma rede multifacetada com implicações nacionais
A questão, porém, não é apenas financeira — é também estruturante. Organizações criminosas presentes em território nacional operam como verdadeiras multinacionais do ilícito: controlam territórios, exploram recursos e utilizam o sistema financeiro legítimo para lavar capital. Na Amazônia Legal, por exemplo, estima-se que um terço das cidades esteja sob influência direta ou indireta desses grupos, alimentados por atividades como garimpo ilegal, tráfico de drogas e crimes ambientais.
A recente operação Jackal III, coordenada pela INTERPOL, fechou 720 contas bancárias ligadas ao crime organizado e prendeu mais de 300 pessoas associadas a grupos da África Ocidental. No Brasil, movimentos semelhantes têm avançado, mas ainda a passos lentos diante da gravidade.
“Estamos longe de solucionar o problema”, reconhece Cavalcanti. “Isso reforça a urgência de o país fortalecer suas ferramentas de inteligência em rede e ampliar o uso massivo de dados para prevenir e reprimir a utilização do sistema bancário por organizações criminosas.”
Um risco ao futuro
O avanço do crime financeiro moderno é impulsionado por tecnologia, conectividade e anonimato digital. Ao permitir que contas laranjas permaneçam como pontos cegos do sistema financeiro, o Brasil se posiciona como alvo preferencial do crime organizado internacional.
“O uso de tecnologia por criminosos está tornando essas atividades mais sofisticadas e difíceis de rastrear”, alerta Cavalcanti. “Sem uma colaboração internacional eficiente e sem legislações mais duras, corremos o risco de ver um crescimento acelerado desse problema nos próximos anos.”
A postura do país diante desse desafio será determinante. As escolhas feitas agora — no Judiciário, entre reguladores, no Congresso e no setor financeiro — definirão se o Brasil poderá conter a escalada da chamada Dark Economy, ou se continuará sendo um elo vulnerável na cadeia global do crime organizado.
Acesse as nossas redes sociais
Instagram: @sitenoticiasdiarias
Facebook: noticiasdiariascs
YouTube: @NoticiasDiariasCS
Pinterest: @noticiasdiariascs
X (ex Twitter): @notdiarias