Simula\u00e7\u00f5es feitas com dados coletados em campo sugerem que centrar esfor\u00e7os na prote\u00e7\u00e3o das esp\u00e9cies que vivem em rios, lagos e riachos pode ser mais eficiente do que a abordagem mais usada hoje, focada na biodiversidade terrestre. Resultados foram publicados na Science ( foto: Pirarucu\/Wikimedia Commons)<\/figcaption><\/figure>\nEstudo publicado\u00a0na revista Science sugere que priorizar ambientes aqu\u00e1ticos ao planejar a\u00e7\u00f5es de conserva\u00e7\u00e3o ambiental na Amaz\u00f4nia pode ser at\u00e9 seis vezes mais eficiente do que centrar esfor\u00e7os na prote\u00e7\u00e3o das esp\u00e9cies terrestres, como \u00e9 mais comum.<\/p>\n
A conclus\u00e3o \u00e9 baseada em simula\u00e7\u00f5es feitas com dados georreferenciados coletados em campo \u2013 como diversidade de esp\u00e9cies e informa\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas e de relevo, por exemplo \u2013, que permitiram estimar as \u00e1reas mais importantes para a conserva\u00e7\u00e3o de cada grupo de esp\u00e9cies.<\/p>\n
Desse modo, o grupo observou que, no cen\u00e1rio em que o planejamento \u00e9 focado na conserva\u00e7\u00e3o de esp\u00e9cies terrestres, alcan\u00e7a-se para as esp\u00e9cies aqu\u00e1ticas apenas 22% da prote\u00e7\u00e3o que as terrestres recebem. Quando o planejamento das \u00e1reas \u00e9 focado na fauna que vive nos rios, lagos e riachos, por\u00e9m, os benef\u00edcios chegam a 84% em m\u00e9dia para as terrestres a um mesmo custo financeiro.<\/p>\n
O trabalho, apoiado pela FAPESP, foi liderado por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura \u201cLuiz de Queiroz\u201d da Universidade de S\u00e3o Paulo (Esalq-USP) e da Lancaster University, no Reino Unido.<\/p>\n
\u201cO conhecimento sobre as esp\u00e9cies terrestres \u00e9 maior e por isso a escolha de \u00e1reas priorit\u00e1rias para conserva\u00e7\u00e3o acaba se guiando por elas. Sup\u00f5e-se que a biodiversidade aqu\u00e1tica vai se beneficiar da mesma forma. Nosso objetivo era saber se isso poderia ser comprovado, uma vez que s\u00e3o ambientes bem diferentes. Constatamos que n\u00e3o. Se guiar apenas pela biodiversidade terrestre n\u00e3o garante que a aqu\u00e1tica seja protegida\u201d, explica Cec\u00edlia Gontijo Leal, primeira autora do estudo, realizado durante est\u00e1gio de p\u00f3s-doutorado na Esalq-USP com bolsa da FAPESP.<\/p>\n
Al\u00e9m da terra e da \u00e1gua<\/p>\n
Para fazer as simula\u00e7\u00f5es, o grupo analisou dados de 1.500 esp\u00e9cies terrestres (plantas, aves e besouros) e aqu\u00e1ticas (peixes, lib\u00e9lulas e insetos aqu\u00e1ticos), coletadas em 377 localidades e 99 igarap\u00e9s de Paragominas e Santar\u00e9m, no Estado do Par\u00e1, munic\u00edpios com mais de 40% de suas florestas convertidas para atividades agropecu\u00e1rias.<\/p>\n
A an\u00e1lise partiu do pressuposto de que os ambientes aqu\u00e1ticos n\u00e3o s\u00e3o isolados, mas conectados entre si, uma vez que a \u00e1gua permeia todo o ecossistema terrestre e transporta nutrientes, esp\u00e9cies e atua em grande parte dos processos ecol\u00f3gicos.<\/p>\n
\u201cNormalmente, os rios s\u00e3o usados como limites das unidades de conserva\u00e7\u00e3o, e as bacias hidrogr\u00e1ficas n\u00e3o s\u00e3o bem representadas. Por isso, n\u00e3o est\u00e3o totalmente protegidos. O caso do Parque Ind\u00edgena do Xingu, no Mato Grosso, \u00e9 cl\u00e1ssico nesse sentido. As cabeceiras est\u00e3o fora da \u00e1rea do parque e todos os efeitos do desmatamento, mesmo que distante, chegam \u00e0s popula\u00e7\u00f5es ind\u00edgenas e \u00e0 biodiversidade que vive dentro do territ\u00f3rio protegido\u201d, explica Leal.<\/p>\n
Os pesquisadores observaram que, quando o planejamento inclui dados da biodiversidade aqu\u00e1tica e terrestre, os benef\u00edcios podem ser seis vezes maiores do que da forma como \u00e9 feito atualmente. Mas, quando n\u00e3o houver dados, apenas incluir o fator conectividade aumenta em pelo menos duas vezes a efici\u00eancia da conserva\u00e7\u00e3o. O grupo constatou que, em Paragominas, a mudan\u00e7a de abordagem apenas incluindo a conectividade levaria a um aumento de 75% a 100% dos benef\u00edcios para as esp\u00e9cies aqu\u00e1ticas e de 130% a 175% em Santar\u00e9m, praticamente sem perdas para as esp\u00e9cies terrestres e utilizando a mesma quantidade de recursos.<\/p>\n
\u201cO planejamento da conserva\u00e7\u00e3o \u00e9 normalmente delimitado por uma \u00e1rea, ou pol\u00edgono, em que os esfor\u00e7os ser\u00e3o focados. Geralmente isso \u00e9 baseado no conhecimento da biodiversidade terrestre. Estamos mostrando agora, com uma grande quantidade de dados, o que deveria ser \u00f3bvio, considerando a import\u00e2ncia da \u00e1gua na regi\u00e3o\u201d, explica Silvio Ferraz, professor da Esalq-USP, supervisor do p\u00f3s-doutorado de Leal e outro coautor do estudo.<\/p>\n
\u201cNa Amaz\u00f4nia, especialmente, tudo funciona em torno da \u00e1gua. Nutrientes, mat\u00e9ria org\u00e2nica, esp\u00e9cies aqu\u00e1ticas, tudo se movimenta pela superf\u00edcie. O que n\u00e3o imagin\u00e1vamos \u00e9 que, se foc\u00e1ssemos a conserva\u00e7\u00e3o na fauna aqu\u00e1tica e na manuten\u00e7\u00e3o dessa movimenta\u00e7\u00e3o, haveria um ganho t\u00e3o maior do que quando focamos apenas na biodiversidade terrestre\u201d, diz o pesquisador.<\/p>\n
Al\u00e9m de ser mais efetiva para a biodiversidade, a abordagem integrada tem a vantagem de custar o mesmo. \u201cO mais importante \u00e9 o planejamento integrado. Isso n\u00e3o aumenta o custo e n\u00e3o significa uma perda significativa para a biodiversidade terrestre. Pelo contr\u00e1rio. E mesmo que n\u00e3o haja tantos dados da biodiversidade aqu\u00e1tica como tivemos, basta incluir o fator conectividade aqu\u00e1tica que a delimita\u00e7\u00e3o da \u00e1rea a ser conservada ser\u00e1 muito mais inteligente, dobrando a prote\u00e7\u00e3o de esp\u00e9cies aqu\u00e1ticas\u201d, diz Leal, que junto com Ferraz faz parte da Rede Amaz\u00f4nia Sustent\u00e1vel, iniciativa que re\u00fane pesquisadores de mais de 30 institui\u00e7\u00f5es do Brasil e do exterior com o objetivo de produzir e aplicar evid\u00eancias cient\u00edficas para fortalecer a sustentabilidade na regi\u00e3o.<\/p>\n
O grupo pretende agora aplicar a abordagem em toda a Amaz\u00f4nia, compilando os dados dispon\u00edveis. A amplia\u00e7\u00e3o da \u00e1rea de estudo refor\u00e7aria os resultados e poderia servir de guia para a prioriza\u00e7\u00e3o na prote\u00e7\u00e3o de \u00e1reas ou mesmo para a cria\u00e7\u00e3o de novas unidades de conserva\u00e7\u00e3o. Al\u00e9m disso, o m\u00e9todo poderia ser testado em outras \u00e1reas importantes para a conserva\u00e7\u00e3o fora da Amaz\u00f4nia.<\/p>\n
Os ecossistemas de \u00e1gua doce ocupam menos de 1% da superf\u00edcie da Terra e comp\u00f5em apenas 0,01% de toda a \u00e1gua do planeta. Mesmo assim, abrigam cerca de 10% de todas as esp\u00e9cies conhecidas, incluindo um ter\u00e7o dos vertebrados.<\/p>\n
Desde 1970, 83% das popula\u00e7\u00f5es desses ambientes sofreram decl\u00ednio, enquanto no ambiente terrestre essa perda foi de cerca de 40%. As regi\u00f5es tropicais, que incluem a Amaz\u00f4nia, abrigam mais de 80% das esp\u00e9cies de peixe de \u00e1gua doce do mundo.<\/p>\n
O artigo Integrated terrestrial-freshwater planning doubles conservation of tropical aquatic species pode ser lido em:\u00a0https:\/\/science.sciencemag.org\/content\/370\/6512\/117.<\/p>\n
(Andr\u00e9 Juli\u00e3o – Ag\u00eancia FAPESP)<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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